domingo, 22 de setembro de 2013

Sem noites e luas



Agarrei em todas as luas e noites,
perfiz  um buraco cheio de escarpas.
Nesse mesmo céu escavei abismos
Logo senti trementes temores e sismos.
Uma ausência de tudo maravilhoso
Que me atrai friorento, ocioso e vicioso.

Esperei que vozes me chamassem,
voassem melodias no céu cantando
e ao menos disfarçassem os uivos
da alcateia de dentes e pelos ruivos
impregnados de sangues e vermelhos,
me anseiam como a carne dos seus coelhos.

Fiz um buraco, não sei onde,
Escavei muito e construí escarpas,
pintei nelas desde Sintra e Arrábida,
arranhando-as com a letra árida
que se fascina com novas alturas
tão friorentas, ociosas e duras.

Sem noites e luas,
Ficaram os dias desorientados, desalentados,
 quedados por um compromisso que não seu,
confundem escarpa, falésia com apogeu.
Perderam o peito, a mama e o umbigo,
Têm frio e não saberão quem levam consigo.

António Sérgio Godinho
22 de setembro de 2013

domingo, 15 de setembro de 2013

Ilhas



Com um conjunto de palavras,
Mostrei-te as cores de meu amor.
Pintaste uma ilustração
Que abriu as janelas à luz,
Abrilhantando o choro da escuridão.
Deste vida ao corpo de uma cruz.

Nove tesouros mergulhados no Atlântico
Descobertos pela aventura de viver.
Neste desejo chorou meu coração
Quando agarrei o verde e o azul,
Ao subir um velho vulcão
Ou caminhando sobre campo e paul.

Não me falta vontade de fugir
Cansado de bater em muralhas e paredes,
Certo ser inocente prisioneiro.
Estendeste a mão e cantaste “Calma!”
Perante o abismo do nevoeiro
Que conspira na alma.

Mas na ilha onde acordei
Uma segunda vez, andaria ensonado,
As nuvens espessas e até cinzentas
Não são pobre diabo ou demónio,
São águas por liberdade sedentas,
Por isso, para lá navegou D. António.

Neste nevoeiro em meus sonhos,
E não o delicado da ilha,
Pegaste num emaranhado engenho:
Nada mais que umas palavras.
Pretendeste mostrar que têm desenho
Além do sangue e suor de suas lavras.

Tenho olhado a janela como leio um livro,
Esfolheio o ar mudando as páginas.
Embebedo-me nos tons de tanta clareza:
A verdade raiada diante de mim
Sem disfarces, vaidade ou avareza,
Sorrindo, tão fácil de ver e tocar-lhe assim!

Ofuscado com tanto calor
Acendem-se cinzas de receios e ilusão,
O ar até nem se deixa tocar.
O infinito tem tantas paredes!
Fecho a janela e começo a vergar
O medo de perder sereias, ficar nas redes.

Caem as janelas, fecha-se o livro,
A história nem acabou e não há folhas.
Ocultam-se os pontos das fugas
Tirando às palavras o encosto:
Gostariam de chamar baleias, neros ou belugas
E partirem para onde o sol não está posto.

A carne do corpo se cansou
Ofegante por um novo ar!
“Calma! Calma!”, tudo será ilustração:
As palavras não morreram, estão expectantes!
Oceano não é prisão, antes a condução
Para altos cumes e sonhos distantes.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Brilha



Brilha brilha a pele num sorriso
É que hoje caíram as estrelas
iluminando-me num chão liso
Ergui o corpo e icei as velas.

Vou partir rumo ao desejo de aventura
Não foi noutra altura, é agora desta altura,
Vi a vida em alto mar profundo
E salto da escarpa rumo ao mundo.

É que hoje caíram as estrelas
Iluminaram o chão de um corpo
Que sorriu desejos ao vê-las

Botou um delicado vivo sopro
Que foi além de qualquer imaginação,
Pegou na vida e guardou-a no coração.

António Sérgio Godinho
9 de setembro de 2013

Letra

Com a letra a subir o ar
Deixei fugir e perder o peso
Num mergulho num mar aceso
Vezes sem vezes de manhã ao luar.

A melodia subiu no abraço,
 O vento levando frutos de Primavera,
Voaram seda pétalas sem encalço
Deixando uma flor sem espera.

E caem águas no chão
Pegando o fogo mais tarde
Nas letras de uma respiração

Tão madura, a casta arde
No sangue de velha flor
Que se ergueu e tomou uma cor. 

António Sérgio Godinho 9 de setembro de 2013