quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Ponto Final



Se todos os dias morro um pouco
por que não posso viver um pouco mais todos os dias

É um número invertido que leva a vida caminhar para o fim
pois o normal seria um dia seguir-se a outro dia
durante o infinito
pois os números crescem sem parar
o mais pequeno, o mais velho,
sempre a suportar o mais novo e fresco
o que será o maior até se contar mais um

As águas que regam os mundos
não param de fazer crescer árvores
que a cada dia mais se agarram neles
mais fortes e robustas

Toda a água com que nos alimentamos
seguram-nos no engodo de um falso infinito
da purificação e baptismo de um dia que só traz mais um
e o seguinte poderá trazer um igual

Antes os dias se regassem com vinho
poderiam imaginar a eternidade
alucinavam-se com razões e versões
variantes que fazem um e outro ser
uns de carne, outros não tanto
mas todos, com mais ou menos,
têm na frente dos seus sermões
o ponto final.

Se me aprumo nas mais primitivas
fisiologias e metabolismos
poderia poder ambicionar a regressar
ao mais puro dos retrocessos,
encolher não até ao feto
mas sim ao australopiteco
que saiu do útero primitivo
para ser alguém um dia
e depois no outro também
até não se perder no seu próprio infinito.

Se são muitas as vozes que falam
que definham discursos
no interior do meu silêncio
por que não poderei com uma assim
dirigir-me aos altos e ser deus
não santo ou o senhor dos homens,
esse deus que é infinito
durante o decurso dos nossos próprios dias
até ao seu último suspiro.

António Sérgio Godinho

09 de fevereiro de 2016