terça-feira, 25 de março de 2014

Envelhece



Sei que envelheço
mais preciso na insabedoria
das coisas que se tratam…
Neste envelhecimento ténue
sinto a certeza de tudo
já saber sobre o nada que sei
e nunca sempre sei.

Retratam-se filmes e livros,
Estrofes, versos e demais parágrafos;
tratam-se de crianças e adultos,
de casas e palácios…
debatem-se certezas e certos erros…

esqueci-me!

Esqueci e fiquei cultivando sonhos,
fiquei a pintar céus e a dar
ventos a pinturas;
fiquei a ver o azul e o ar:
umas vezes sentei-me, outras debrucei-me:
passeei demais pela janela.

Agora envelhece-me a voz,
os ditos, as línguas arrastadas,
também os beijos e as conquistas;
envelhece a sabedoria de saber
que chega: nada mais quero saber!

António Sérgio Godinho
24 de março de 2014

terça-feira, 4 de março de 2014

Branco verso



O que seria eu se palavra não existisse?
Seria certamente o espaço branco
entre estrofes,
uma linha para respirar
em que só se deleitosamente anseia
o verso seguinte.

Sossegarias vida,
como a tília
que envelhece para ser
o repouso de outro sangue,
se fosse uma onomatopeia de raiva?!

Que seria eu entre onomatopeias
arfantes, ofegantes,
projetadas nos desencontros
de um sangue desassossegado
que não sossega sossegado
ansiando, ansiando mesmo,
respirar naquele pequeno traço branco
onde palavra não existe
onde a vida parece repousar.

António Sérgio Godinho
3 de março de 2014

Beijaria os teus olhos



Beijaria os teus olhos
Se meus fossem os teus cabelos.
Na pele me espalharia
Absorvido na palidez de sua cor
Olharia os seios da imaginação
Se beijasse os teus olhos
Sob as cortinas dos teus cabelos
Que embalam o vento
Como à entrada de um sonho.
E se sonhasse?! ai, se sonhasse!
Meus seriam os teus cabelos,
E os teus olhos beijaria!

António Sérgio Godinho
3 de março de 2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

Izalco



Com o pão na mão em plena flamenga
Passeio passos de pessoa molenga,
Um cenário vasto, penso num olá,
Diria-o a uma branca morena espanhola

Por ali trabalha e desprende seu cantante
Onde vou e venho expandido luminoso
Num céu azul de nebuloso constante
Em frios corações e sangue ocioso.

Ficou a meio a poesia, longe,
Morrendo num momento lento de sonho
Como um tufão em clausura de monge
Estoirando a raiva em chão enfadonho.

Não sou Alencar nem Ega do Eça
Mas engolir-me-ia num teatro e seria a peça,
Erguer plenitude ao alto do palco
E deixar representar o vulcão Izalco.

E olho do mais alto desejo
Aprecio o calor broto da ruína,
Afinal não sou indestrutível ensejo
Engolido em lava cinza quente feminina.

António Sérgio Godinho
24 de janeiro de 2014